Este artigo é uma continuação do artigo anterior “Calvino não era puritano na questão da predestinação”. Comecei aquele artigo com a citação da carta, que recebi de um seguidor do blog Jonathan Silva de Araújo, que leu o meu primeiro artigo e reagiu, dizendo:
“Gostei muito do texto, mas gostaria de saber as diferencias teológicas fundamentais que existem entre os símbolos de Westminster e as três formas de unidade das Igrejas Reformadas; diferenças a respeito da predestinação, das Alianças, a respeito da igreja e a respeito do uso da lei, especialmente o quarto mandamento.
Ficarei grato se o Senhor me responder”.
Em parte já dei uma resposta, especialmente a respeito da predestinação. Mostrei a diferença entre Calvino e Beza neste ponto e conseqüentemente a diferença entre a confissão Belga e a confissão de Westminster.
Essa diferença é só uma das diferenças, pois existem mais diferenças. E sabendo que diferenças teológicas facilmente se tornam motivos para uma divisão eclesiástica, quero mais uma vez enfatizar que considero essas diferenças inter-confessionais; considero essas diferenças como duas linhas de raciocínio dentro das igrejas reformadas, que existem desde a reforma. As igrejas reformadas no Continente respeitaram as igrejas reformadas na Escócia e elas tinham laços fraternais uma com a outra, respeitando as suas diferenças teológicas.
Mas ninguém pode negar que existem diferenças e não devem desprezá-las. Já ouvi puritanos dizer que a teologia reformada se desenvolveu desde o século 16 e a coroa desse processo foi a confissão de Westminster. Essa idéia mostra um desprezo para as confissões de Calvino (a confissão Gaulesa e a confissão Belga) sendo menos puras do que a confissão de Westminster; por outro lado também já ouvi dizer que a confissão de Westminster é um desvio da teologia reformada do século 16. Tal expressão mostra também um desprezo, quer dizer na direção da confissão de Westminster.
Eu considero as duas confissões como frutos de duas linhas teológicas. Posso registrar as diferenças teológicas fundamentais entre a Confissão Belga e a Confissão de Westminster, mas isso não é suficiente. É bom registrar as diferenças, mas é melhor entender essas diferenças! Por que o melhor entendimento leva para um melhor convívio dentro da grande família reformada. Então, o primeiro passo é reconhecer as diferenças, depois analisar e entender essas diferenças e finalmente respeitar as diferenças.
Quando Jonathan Araújo pediu aqui no blog o seguinte: “gostaria de saber as diferencias teológicas fundamentais que existem entre os símbolos de Westminster e as três formas de unidade das Igrejas”. Já ofereci duas listas com os assuntos das confissões, mas alguns irmãos me disseram que isso não ficou muito claro. Então vou repetir as duas listas de tópicos, tanto da confissão Belga, como também da Confissão de Westminster. Prestem atenção que as duas confissões tem muito em comum! Mas também existem certas diferenças.
Abaixo segue uma comparação entre as duas confissões e as partes vermelhas mostram os tópicos específicos de cada confissão, mas também uma diferença em ordem, que nós não podemos negligenciar.
Confissão Belga (1560) 1 - De Deus; 2 - Da Revelação; 3-7 Das Escrituras; 8-11 Da Trindade; 12 Da Criação; 13 Da Providência; 14 Da Queda do Homem; 15 Do Pecado original; 16 Da Predestinação; 17 Do Salvador; 18 Da Encarnação de JC 19 Das 2 naturezas de JC 20 Da Justiça de Deus; 21 Da Satisfação de JC; 22 Da Justificação pela fé; 23 Da nossa Justiça em JC; 24 Da nossa Santificação; 25 Do papel da lei; 26 Do nosso advogado JC; 27-29 Da Igreja; 30 Do governo da Igreja; 31 Dos oficiais da Igreja; 32 Da Disciplina da Igreja; 33 Dos Sacramentos; 34 Da Batismo; 35 Da Santa Ceia; 36 Do papel do Governo Civil; 37 Do Juízo Final | Confissão Westminster (1648) 1 – Da Sagrada Escritura; 2 – De Deus e da Santíssima Trindade; 3 – Do eterno Decreto de Deus; 4 – Da Criação 5 – Da Providência 6 – Da Queda do Homem, do Pecado e de sua Punição; 7 – Do Pacto de Deus com o homem; 8 – De Cristo o Mediador; 9 – Do Livre Arbítrio; 10 – Da Vocação Eficaz; 11 – Da Justificação; 12 – Da Adoção; 13 – Da Santificação; 14 – Da Fé salvífica; 15 – Do Arrependimento para a vida; 16 – Das Boas Obras; 17 – Da Perseverança dos Santos; 18 – Da Certeza da Graça e da Salvação; 19 – Da Lei de Deus 20 – Da Liberdade Cristã e da Liberdade de Consciência; 21 – Do Culto religioso e do Dia de Repouso; 22 – Dos Juramentos legais e dos Votos; 23 – Do Magistrado Civil 24 – Do Matrimônio e do Divórcios; 25 – Da Igreja 26 – Da Comunhão dos Santos; 27 – Dos Sacramentos; 28 – Do Batismo; 29 – Da Ceia do Senhor; 30 – Das Censuras Eclesiásticas; 31 – Dos Sínodos e Concílios; 32 – Da Ressurreição |
Como já disse: existe uma grande concordância, mas alguns pontos se destacam. Não posso analisar essas diferenças, porque este blog não oferece muito espaço para isso, então me limito neste momento a registrar as diferenças e por causa disso eu tocarei alguns tópicos e darei um breve comentário. Se Deus quiser posso usar um outro artigo para focalizar mais e para analisar e esclarecer os assuntos específicos.
1. 1. Prestem atenção na ordem dos tópicos de ambas as confissões. A Confissão Belga é mais Infra-Lapsariano e a Confissão de Westminster mais Supra-Lapsariano; Eu peço desculpas pelo uso dessas palavras estranhas, mas essas palavras – que vem do Latim - são comuns na teologia reformada e servem para distinguir duas linhas de pensamento dentro da teologia reformada. Trata-se sobre a questão da relação entre o decreto divino da predestinação e a queda do homem. O decreto de Deus da predestinação antecipa a da queda (supra-lapsus) ou a queda do homem antecipa a da predestinação (infra-lapsus); Não é uma questão de ordem cronológica (pois não existe uma cronologia de decretos ou um desenvolvimento teológico dentro do conselho de Deus), mas uma questão da lógica. Os teólogos infralapsarianos (Calvino, Bavinck) se deixam guiar pela revelação do livro de Gênesis, que fala duma maneira ‘infra’. Enquanto os teólogos ‘supralapsarianos’ (Beza, Perkins, Gomarus) dizem que o eterno decreto de Deus para eleger certas pessoas e para rejeitar outras antecipa e domina toda criação, incluindo a queda do homem. A predestinação domina tudo. Também toda a teologia dos supralapsarianistas.
A A ‘luz da natureza’: O papel da luz da natureza é mais forte na Confissão de Westminster. Vejo uma grande diferença com o Catecismo de Heidelberg (pergunta/resposta 8). Neste momento me pergunto: Esta diferença tem a ver com o progresso científico naquela época? Como funcionava a luz da natureza na vida do crente?
O O resultado das discussões sobre a predestinação feitas no Sínodo de Dort se refletem na Confissão de Westminster nos artigos 9, 10 e 18 que falam sobre o Livre-Arbítrio, sobre a Vocação Eficaz e sobre a Certeza da Graça e da Salvação; Aqui se manifesta uma concordância entre a confissão de Westminster e uma das três formas de Unidade das Igrejas Reformadas!
A Confissão de Westminster tem um artigo especial sobre o Pacto de Deus com o homem; Art. 7 (e também art. 19) falam sobre o Pacto das Obras;5. Um outro ponto especifico da Confissão de Westminster é a atenção que ela dá ao Pacto da Graça (7,3); Um ponto de discussão na teologia reformada é a questão se a aliança da graça foi feito só com os eleitos? (Compare com o Grande Catecismo de Westminster, resposta 31); E se for assim qual é a posição das crianças na aliança da Graça? Elas devem ser batizadas na suposição que são regeneradas? (Assim Abraham Kuyper, teólogo reformado de Holanda; ele era supralapsariano)
A Confissão de Westminster fala também detalhadamente sobre o papel da Lei de Deus e ligado com isso, ela fala explicitamente sobre a Liberdade Cristã e sobre a Liberdade de Consciência; sobre o Culto Religioso e o Dia de Repouso (4° mandamento); sobre os Juramentos Legais e dos Votos (3° mandamento; sobre o Magistrado Civil (5° mandamento) e sobre o Matrimônio e o Divórcio (7° mandamento); a Confissão Belga é muito mais modesta e o Catecismo de Heidelberg também.
O O art. 24 da Confissão de Westminster fala sobre o Casamento e sobre as exigências. Este tópico falta na Confissão Belga. A Confissão de Westminster é mais rigorosa no ponto do Dia de Repouso e do Culto religioso (art. 21). A Confissão Belga não fala sobre isso, as o Catecismo de Heidelberg sim. Prefiro a posição do Catecismo de Heidelberg, que é menos rigoroso e mais cuidadoso.
A Confissão de Westminster fala também sobre a Igreja, mas não faz uma distinção simples entre igrejas verdadeiras e igrejas falsas, mas uma distinção entre igrejas, que são mais puras ou menos puras. Como avaliar essa diferença entre as duas confissões? A confissão Belga parece mais rigorosa e mais clara, enquanto a Confissão de Westminster mostra também um acento bíblico: Até as igrejas mais puras tem manchas. A igreja perfeita não existe aqui na terra.
A Confissão de Westminster fala sobre a igreja invisível; A Confissão Belga não fala assim e sei que no passado houve várias discussões sobre isso nas igrejas reformadas na Holanda; Por que a confissão de Westminster fala assim? Observando a pluralidade dos protestantes? Para evitar conflitos entre os grupos protestantes (Anglicanos, Independentes, Congregationalistas, Presbiterianos)?
O O artigo 31 da Confissão de Westminster defende o sistema presbiteriano falando sobre o Governo da Igreja; O Sínodo tem autoridade sobre as igrejas locais; As igrejas reformadas não confessam isso. Como avaliar essa diferença?
O O artigo 23 da Confissão de Westminster fala sobre o papel do Magistrado e define que o Magistrado tem autoridade sobre as igrejas para guardar as marcas da verdadeira igreja de Deus; A confissão Belga tem uma parte igual, mas as igrejas Reformadas na Holanda tiraram esta parte em 1905, porque não acharam de acordo com as Sagradas Escrituras!
Mais uma vez quero enfatizar que considero essas diferenças como diferenças inter-confessionais. Repito o que escrevi no final do meu artigo anterior.
As Três Formas de Unidade (Confissão Belga (1561), Catecismo de Heidelberg (1563), e os Canones de Dort (1618/19)) a um lado e a Confissão de Westminster (1649) e os seus Catecismos ao outro lado, são confissões da grande Reforma. Cada uma tem a sua história e o seu conteúdo. A doutrina dessas confissões tem muitas coisas em comum, mas existem também diferenças. Devemos respeitar essas diferenças. Quem acha que a Confissão de Westminster é o final de um processo confessional: o príncipe entre pares no meio das confissões reformadas, ele facilmente despreza as Três Formas de Unidade. E quem acha que a Confissão de Westminster é um desvio da doutrina reformada inicial que se encontra nas Três Formas de Unidade, ele também tem que tomar cuidado a não desprezar a Confissão de Westminster e os seus Catecismos.
A história nos mostra que as duas confissões funcionam em confederações separadas: igrejas reformadas e presbiterianas. A história nos mostra também que haverá conflitos se quer misturar as duas confissões em uma só confederação. Presbiterianos e Reformados devem respeitar um ao outro, a sua história e as suas confissões.