quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Sou reformado, não puritano.


Faz pouco tempo que um pastor me perguntou se eu poderia escrever alguma coisa sobre o puritanismo, pois ele me ouviu dizer que não sou puritano, enquanto sou pastor em uma das igrejas reformadas do Brasil, que por muitas pessoas são consideradas como igrejas puritanas. Eu lhe expliquei porque sou 100% reformado, mas não me considero puritano.
Falando sobre o puritanismo, quero transmitir algumas palavras do professor S. Van der Linde, que tinha muito conhecimento do movimento puritano nos Países Baixos. Ele diz o seguinte: “Em geral o puritanismo é considerado como um fenômeno, que aparece em várias religiões em todos os séculos”. O Islam e o Judaísmo (Os Recabitas (Jer. 35) e os Fariseus) o conhecem muito bem. Podemos dizer que existe um puritanismo internacional; a sua história ainda deve ser escrita. Quando se fala sobre o puritanismo na história das igrejas da Escócia e Inglaterra, as pessoas pensam no movimento que queria uma reforma radical da igreja. Neste ponto o puritanismo parece com o movimento dos anabatistas; eles são iguais em entusiasmo e dedicação. Esse é o poder deles, mas a sua fraqueza está na tendência de espiritualizar e de avaliar as coisas negativamente. O puritanismo cresceu na Inglaterra no reino de Elisabeth; o nome ‘Puritanos’ foi introduzido no ano 1565” (Christelijke Encyclopedie, 2e druk, dl. 5, pag.547). [Minha tradução].
O Puritanismo na Inglaterra foi um movimento dentro da igreja Anglicana. A igreja Anglicana foi estabelecida pelo rei Henrique VIII, que se afastou da igreja de Roma. Ele começou a reforma da igreja e a principal mudança foi a decisão que o cabeça da igreja não era mais o papa de Roma, mas o Rei da Inglaterra. Porém, em muitos aspectos a igreja anglicana continuou com a aparência da igreja católica. Isso foi um espinho na carne dos puritanos; eles queriam uma reforma mais radical. Eles queriam reformar a liturgia do culto, especialmente em favor da pregação da Palavra; também criticaram as vestimentas oficiais do clero, que eram muito luxuosas e trouxeram lembranças do domínio da igreja de Roma. Outros puritanos (os presbiterianos) queriam uma reforma do sistema de governo da igreja por meio de ‘presbitérios’; e havia puritanos ainda mais radicais que queriam congregações independentes (os congregacionalistas); todos os puritanos lutaram também para a santificação do dia de Domingo e para uma vida mais piedosa durante a semana.
Já naquela época o movimento puritano dentro da igreja Anglicana conhecia uma diversidade. Havia um grupo moderato que era contra as vestimentas oficiais do clero; os “Presbiterianos” que queriam uma reforma do sistema de governo; e ainda um grupo mais radical que chamamos de “Independentistas” ou “Separatistas”. É bom observar essas divergências para que as pessoas estejam conscientes que historicamente a palavra ‘puritano’ por si só não é uma palavra clara e bem definida. De certa forma podemos dizer que Lutero era um ‘puritano’, porque queria reformar a igreja de Roma; da mesma maneira podemos dizer que Calvino era um ‘puritano’, porque era mais radical do que Lutero; e Beza e John Knox eram ‘puritanos’, porque eram mais radicais do que Calvino; e os presbiterianos eram ‘puritanos’ porque queriam reformar a igreja anglicana; mas os ‘independentistas’ eram mais radicais, porque queriam acabar com qualquer forma de hierarquia na igreja, até a hierarquia do Presbitério; e dentro do grupo dos ‘independentistas’ existia um grupo ‘puritano’ que se chamava os “Brownistas’ que buscaram uma separação radical e se afastaram da igreja anglicana; e em comparação com todos os grandes reformadores, podemos dizer que os anabatistas eram ‘puritanos’ porque eram os mais radicais. Eles queriam uma igreja pura e santa.

Observando tudo isso, nós podemos dizer que todos os protestantes são mais ou menos ‘puritanos’, porque queriam reformar a igreja de Roma. Então de certa forma as pessoas podem dizer para mim: pastor, você é um ‘puritano’. Concordo com isso. Do mesmo jeito podemos dizer sim, os membros das Igrejas reformadas são ‘puritanos’. E os membros da Igreja Presbiteriana também, como também os membros da Igreja Luterana. Todos mais ou menos puritanos. Neste caso usamos a palavra ‘puritano’ de um modo geral. E isso sem problema.

Mas nesse artigo eu falo sobre o termo ‘puritano’ me referindo a um movimento histórico, pensando na história do século 17; Quando eu digo que não sou ‘puritano’ eu me refiro ao fato que não me identifico completamente com o movimento dos puritanos na Inglaterra no século 17; não sou seguidor desses puritanos, como hoje em dia existem pessoas que seguem zelosamente os princípios dos puritanos do século 17. Eu me sinto melhor com a teologia moderada e cautelosa de Calvino do que com a teologia mais rigorosa de Beza ou Thomas Hooker. Reconheço a Confissão de Westminster (1648) e os Catecismos de Westminster como confissões reformadas, e vejo uma grande concordância com as três confissões reformadas que subscrevo: O Catecismo de Heidelberg (1566), A Confissão Belga (1561) e os Cânones de Dort (1618), mas estou também consciente das diferenças teológicas que existem entre essas confissões; diferenças a respeito da predestinação, das Alianças, a respeito da igreja e a respeito do uso da lei, especialmente o quarto mandamento.

O movimento dos Puritanos na Inglaterra teve também uma grande influência na Holanda. Já no século 17. Houve muito comércio entre Inglaterra e Holanda no século 16 e 17; e junto com a mercadoria, chegaram também as idéias dos puritanos, seja por escrito, seja por pastores que se mudaram para Holanda. E já naquela época podemos observar uma diferença entre a igreja reformada da Holanda e as congregações puritanas dos ingleses, que se congregaram separadamente. Houve um conflito na Igreja de Amsterdam entre a Igreja Reformada e a Congregação Separatista dos Brownistas. Os últimos tinham uma lista de críticas. Vou mostrar porque essa lista já apresenta as diferenças entre os Puritanos e a Igreja Reformada.
Lista de críticas dos Separatistas:
1) A Igreja Reformada em Amsterdam se reúne em vários lugares; assim ela não pode supervisionar bem a congregação e administrar bem a disciplina cristã; os seus pastores não observam bem o dia do Senhor;
2) A Igreja batiza as crianças de membros que ainda não fizeram a sua profissão de fé (provavelmente a criança de jovens que tinham que casar. AdG);
3) A Igreja Reformada usa a oração “Pai Nosso” e outras orações como formas no culto;
4) A Igreja Reformada não segue a regra de Mateus 18.5;
5) A Igreja Reformada se congrega em prédios que antigamente pertenciam ao Anticristo (O Papa. AdG);
6) A Igreja Reformada não cuida dos seus pastores conforme 1 Cor. 9.14, mas conforme o costume dos Papistas;
7) Os presbíteros das Igrejas Reformadas não são eleitos por toda a sua vida, mas anualmente;
8) Tem cultos especiais para confirmar o casamento, enquanto o casamento civil é feito na prefeitura;
9) A Igreja Reformada conhece uma nova regra de disciplina, - sendo o afastamento da Santa Ceia- , que Cristo não ordenou;
10) A Igreja Reformada têm cultos nos dias comemorativos como Natal e Páscoa;
11) A Igreja Reformada aceita como membros pessoas que foram excomungadas da Igrejas Separatista;
Esta lista mostra vários aspectos que até hoje são normais nas igrejas reformadas na Holanda, enquanto não são considerados normais no meio dos puritanos. E o que chama a minha atenção é que a maioria dessas críticas corresponde com as criticas, que os anabatistas tinham contra as igrejas reformadas.

Os Puritanos da Inglaterra tinham uma grande força de atração para grupos e membros dentro das igrejas reformadas, que se identificavam com essas idéias rigorosas. Houve grupos que se reuniram em casas para ler os livros ou os sermões dos Puritanos, que foram traduzidos por pastores holandeses, que se identificavam com esse movimento puritano. A maioria desses grupos se separou da Igreja Reformada e se organizou em Congregações Reformadas. Hoje em dia existem umas três confederações de Congregações Reformadas na Holanda, que se identificam muito com as idéias dos Puritanos do século 17.

A maioria dessas Congregações Reformadas é muita fechada e se afasta quase completamente do mundo. Os membros têm os seus negócios no mundo, mas não se associam com o mundo de acordo com 2 Cor. 5. Muitos membros não têm televisão e alguns nem rádio. Politicamente eles se organizam no Partido Reformado Estadual (SGP) e a maioria têm uma assinatura no Jornal Reformado. Casamentos misturados quase não existem; pode acontecer por acidente ( quando a noiva fica grávida antes do casamento) e muitas famílias também não querem vacinar os seus filhos contra paralisia infantil; eles defendem que tem de confiar no Senhor: "Ele nos protegerá contra todo mal. Deus é Soberano e fez uma Aliança da Graça com os seus eleitos; esses eleitos se encontram na congregação, mas a maioria dos membros ainda vive em miséria e não se acham convertidos. Precisa de um testemunho do Espírito Santo, que lhe mostrará a graça de Deus". Existem congregações reformadas onde só o pastor é considerado eleito e só ele pode participar da Santa Ceia! Essa situação foi criada teologicamente, porque a aliança de Deus tem um lado interno (os eleitos) e um lado externo (os que foram batizados, mas ainda não chamados). O Pacto Salutis domina o pacto da graça!

As Congregações Reformadas na Holanda e América do Norte têm laços com ‘The Netherlands Reformed Church’; e As Antigas Congregações Reformadas têm laços com ‘The Dutch Reformed Church’ ou ‘The Puritan Reformed Churches’ ou ‘The Heritage Reformed Churches’ nos EstadosUnidos. Mas prestem atenção: Todas essas Congregações Reformadas não tem laços fraternais com as Igrejas Reformadas de Holanda (libertadas), nem com as Igrejas Reformadas do Canadá, que têm laços fraternais com as Igrejas Reformadas do Brasil. Por causa disso, eu digo: sou pastor da Igreja Reformada, mas não sou Puritano.

Acho o termo ‘puritano’ um termo inadequado para caracterizar todas as igrejas reformadas. Este termo tem uma bagagem histórica e foi dado à um grupo reformados, que queriam reformar a igreja anglicana da Inglaterra. Esse grupo se identifica pelas suas confissões, que são diferentes das confissões das igrejas reformadas do continente da Europa. Os puritanos definiram a sua fé na Confissão de Westminster e nos Catecismos de Westminster. Hoje em dia essas confissões funcionam principalmente nas igrejas presbiterianas. E houve também uma influência forte da doutrina da confissão de Westminster nas igrejas reformadas. Essa influência era forte no século 18 e 19; isso até causou conflitos dentre as igrejas reformadas na Holanda. No século 19 existiam muitas congregações reformadas na Holanda, que viviam de acordo com as idéias puritanas dos independentes de Inglaterra. Essas congregações reformadas (puritanas) se organizaram em 1907 e se chamaram: “Gereformeerde Gemeenten in Nederland em Noord-Amerika” (= Congregações Reformadas em Holanda e America do Norte). Nos Estados Unidos eles se chamaram “Netherlands Reformed Congregations” (= Igrejas Reformadas de Holanda); em 1993 houve uma separação em Grand Rapids (USA) e as igrejas, que se afastaram, se chamam hoje em dia “The heritage reformed congregations” (= as congregações reformadas da herança); elas tem um seminário que se chama “Puritan Reformed Theological Seminary”, que é conhecido aqui no Brasil por causa da fama do seu presidente Joel Beeke e do professor do Antigo Testamento, David Murray. Os seminaristas desse seminário vêem das próprias congregações (heritage reformed congregations), mas também das “Free Reformed Churches of North America”.

Tanto as nossas Igrejas Reformadas (libertadas) na Holanda, como também as nossas Igrejas Reformadas do Canadá, nunca declararam que as “Congregações Reformadas na Holanda e na América do Norte” são igrejas falsas. As nossas igrejas irmãs tentaram fazer contatos, mas elas sabem muito bem que existem diferenças profundas de doutrina. As “Congregações Reformadas” são igrejas fechadas e nunca se abriram para ter contato oficial com as nossas igrejas irmãs, que - ao seu ver - tem uma doutrina liberal e uma pregação leviana, que oferece a graça de Deus a todo mundo, enquanto ela só pertence aos eleitos.

O fato que as Igrejas Reformadas (libertadas) de Holanda vivem separadamente das “Congregações Reformadas na Holanda e na America do Norte”; e o fato que as Igrejas Reformadas do Canadá vivem separadamente das “Netherlands Reformed Congregations” e das “Heritage Reformed Congregations” e das ““Free Reformed Churches of North America” , já nos mostram que as diferenças não são pequenas. Existe uma diferença entre reformados e puritanos. Ninguém deve se surpreender sobre isso.

E essa diferença é ainda maior se vamos comparar as Igrejas Reformadas com as Igrejas Presbiterianas. As Igrejas Reformadas (libertadas) na Holanda começaram a conhecer o mundo presbiteriano nos anos sessenta do século 20; hoje em dia elas têm muitos contatos oficiais com várias igrejas presbiterianas, como por exemplo, também com a Igreja Presbiteriana do Brasil. As Igrejas Reformadas do Canadá têm também contatos com igrejas presbiterianas, como por exemplo, com “The Orthodox Presbiterian Church (OPC)”. Tanto as nossas igrejas na Holanda, como também as nossas igrejas no Canadá reconhecem as igrejas presbiterianas como igrejas irmãs. Mas por outro lado elas sabem que existem diferenças na doutrina, na ética, na política eclesiástica e no estilo e conteúdo das pregações; por causa disso elas continuam a viver separadamente. Na Holanda não existem igrejas presbiterianas, mas no Canadá existem. Apesar disso, as igrejas reformadas no Canadá têm laços fraternais com a OPC, mas não vejo muito esforço para unir essas igrejas. Elas conhecem, reconhecem e respeitam as diferenças entre as duas confederações e continuam a viver separadamente. O que nós podemos aprender disso é: os reformados devem conhecer, reconhecer e respeitar as diferenças em doutrina, ética, política eclesiástica e no estilo e conteúdo da pregação e da liturgia dos puritanos; e por outro lado os puritanos devem conhecer, reconhecer e respeitar a posição dos reformados.

As Três Formas de Unidade (Confissão Belga (1561), Catecismo de Heidelberg (1563), e os Canones de Dort (1618/19)) a um lado e a Confissão de Westminster (1649) e os seus Catecismos ao outro lado, são confissões da grande Reforma. Cada uma tem a sua história e o seu conteúdo. A doutrina dessas confissões tem muitas coisas em comum, mas existem também diferenças. Não posso falar sobre isso neste momento, porque já falei muito. Devemos respeitar essas diferenças. Quem acha que a Confissão de Westminster é o final de um processo confessional: o príncipe entre pares no meio das confissões reformadas, ele facilmente despreza as Três Formas de Unidade. E quem acha que a Confissão de Westminster é um desvio da doutrina reformada inicial que se encontra nas Três Formas de Unidade, ele também tem que tomar cuidado a não desprezar a Confissão de Westminster e os seus Catecismos.

A história nos mostra que as duas confissões funcionam em confederações separadas: igrejas reformadas e presbiterianas. A história nos mostra também que haverá conflitos se quer misturar as duas confissões em uma só confederação. Presbiterianos e Reformados devem respeitar um ao outro; e igualmente os Reformados e os Puritanos. Os puritanos não são mais puros do que os reformados. Ambos são pecadores, que precisam ser lavados pelo sangue de Cristo. Ambos confessam: só pela fé, só pelo Cristo, só pela graça. Louvado seja o nome de Deus!
Pr. Abram de Graaf